Ao legítimo processo de globalização humana
se o utiliza
em favor
de uma economia exploradora
do homem
e sem sentido
de transcendência
e solidariedade
Se dá não só
uma má e injusta distribuição
do dinheiro
e os ganhos
senão também
grande
quantidade
de malversação
de fundos em coimas
O primeiro passo é
que os cristãos
sentam, pensem
e vivam
como cristãos.
O segundo é
redescobrir o valor comunitário da fé
1. Á uma palavra que hoje caracteriza à sociedade e é mencionada habitualmente pelo jornalismo: a corrupção. Parece uma má palavra mas é tolerada como uma doença. A sociedade parece não ter anticorpos para ela.
A corrupção é uma realidade tão velha como o pecado no homem. Ao começo de sua carta aos romanos, san Pablo descreve a corrupção de seu tempo. E substancialmente não difere da de nossa época (cf. Rom 1,24-32). Essa corrupção também estará presente «nos últimos tempos» (cf. 2 Tim 3,1-9). São Pedro exortará a «subtraindo-vos à corrupção que a concupiscência gerou no mundo» (2 Pe 1,4b).
A corrupção é um signo de que o homem perdeu sua dignidade de pessoa e imagem de Deus. É um signo de que perdeu sua liberdade de espírito e vive escravo de suas tendências e paixões. Não é mais dono de si mesmo; é escravo de si mesmo, «pois o homem é feito escravo daquele que o venceu» (2 Pe 2,19b).
2. A corrupção é o resultado de uma cultura afastada de Deus e destruidora do homem (cf. Rom 1,18- 23). Seu signo é a violência, a insegurança social, a impunidade legal, a falta de sentido na vida, o sopor do materialismo, a desesperança…
A cultura secularista, fechada sobre si mesma, sem transcendência espiritual, fala de liberdade criando novas formas de escravatura. «O homem atual, em realidade, não pode eleger. Pode votar mas não lhe crê aos políticos. Vive socialmente encerrado: elege o que lhe propõem como estudada forma de vida consumista» [1]. A vida real é desdenhada e agredida. Impõe-se uma cultura de morte disfarçada de satisfações, turismo e comunicações evasivas. «Educar —dirá o Papa— é algo mais do que formar pessoas para tarefas economicamente produtivas» (Disc. do 26/3/92).
3. Uma das formas de escravatura é o ter que trabalhar sem defesa da dignidade da pessoa. O trabalho já não é a realização de uma vocação senão a busca da subsistência material. «Se nos envergonha porque não rendemos o suficiente ou não nos ocupamos de capacitar-nos para ser dignos de perdurar no emprego. Some-lhe a estes sentimentos tão em massa, o terror de perder o emprego daqueles que ainda o conservam. O efeito político, então, é o de conseguir populações cada vez mais explotables, dispostas a qualquer coisa para obter trabalho ou para conservá-lo. A vergonha e o medo deveriam cotar-se em Bolsa, porque constituem um elemento importante do ganho das empresas» [2].
Se fala falazmente de "flexibilidade trabalhista". Essa flexibilidade não há que a entender como algo que favorece ao homem em sua realização trabalhista. É uma palavra mentirosa. A flexibilidade há que a entender como as condições com as que o trabalho pode ser mais eficaz em seu serviço às riquezas e ao capital internacional, cada vez mais anônimo: excessivas horas de trabalho, pouca retribuição econômica, instabilidade trabalhista com todas as repercussões familiares que isso inclui, viver ao serviço das exigências empresariais, asfixia da vida familiar e de seu meio social e religioso, maior desamparo da previsão social para os mais pobres ou menos dotados de preparação, etc. etc.
«"Desgraçar", reduzir o custo trabalhista, constitui um dos meios mais eficazes de poupança (para as empresas). Quantos políticos, quantos empresários juram que criam postos de trabalho e a seguir se jactan de ter reduzido seus planteles!», diz Viviane Forrester em sua denúncia de "El horror económico", editado pelo Fondo de Cultura Económica.
Ao legítimo processo de globalização humana se o utiliza em favor de uma economia exploradora do homem e sem sentido de transcendência e solidariedade. É uma economia que endiosa ao capital, a empresa e o mercado, e transforma ao homem num servo da gleba universal. A vida do homem é para servir ao capital. «O triunfo do mercado —diz um economista— é evidentemente o triunfo do capitalismo… Quanto mais alto é o grau de proteção social, mais deve sê-lo a taxa de desemprego para disciplinar as reivindicações salariais… O efeito do pleno emprego sobre o poder de negociação dos assalariados é compensado pela relativa precariedade das formas de emprego… Desta forma se expressa atualmente a ideologia do mundo» [3].
A pessoa é um meio e um instrumento de produção em tanto não possa ser substituída pela máquina. A máquina é mais eficaz e menos conflitiva. O ideal é trabalhar a imagem e semelhança da máquina: satisfazer as necessidades mínimas, desgastar-se e ficar fora de serviço. Em realidade, a atual "flexibilidade trabalhista" é o novo nome da escravatura.
4. O homem sabe enganar-se a si mesmo. Emprega palavras liberadoras mas vive realidades opresivas. A história moderna correu por trás de utopias falazes. O homem terminou desconhecendo-se, perdendo sua dignidade. Atestam-no as grandes guerras e o uso do progresso para a destruição, os crimes nelas, as múltiplas opressões políticas nas nações, o domínio em nossa geração da violência na cidade, o império da droga e o álcool, a perda da identidade sexual e da família, inumeráveis injustiças e explorações.
Na economia e o trabalho se dá não só uma má e injusta distribuição do dinheiro e os ganhos senão também grande quantidade de malversação de fundos em coimas, negociados, etc. Isto também indica a perda da honestidade como valor social e expressão da dignidade da pessoa humana.
«Na Conferência Internacional contra o Trabalho de Menores, recentemente realizada em Oslo com o auspicio da UNICEF, estimou-se em 250 milhões o número de meninos explodidos ou prostituídos, dos quais 6,5 milhões são latinoamericanos… Também ali se responsabilizou às políticas neoliberais agressivas como as principais causadoras da agudización da pobreza e a exploração dos menores» [4].
Segundo dados internacionais, há que se preparar para alimentar a 800 milhões de famintos gerados por esta civilização que não pode garantir a esperança nem sustentar a vida.
5. Frente a este panorama onde o joio parece querer afogar ao trigo, que podem fazer os cristãos na atual cultura da globalização secularista? Pergunta de difícil resposta se se olha ao processo crescente de descristianização e ao afastamento social dos valores tradicionais.
Para dar uma resposta há que se localizar no ponto de partida cristão e evangélico: a conversão. A conversão não só da vida moral, senão a conversão pessoal a Jesús e aos ensinos de seu Evangelho. João Paulo II punha isto de relevo, falando-lhes aos Movimentos eclesiais: «Nos movimentos e novas comunidades vocês aprenderam que a fé não é um discurso abstrato, nem um vadio sentimento religioso, senão vida nova em Cristo suscitada pelo Espírito Santo» (Disc. do 30/5/98, n° 7).
Neste mesmo sentido fala a Mensagem da Assembléia especial para América do Sínodo dos Bispos quando diz: «O melhor médio de celebrar o grande jubileu do nascimento do Senhor será para nós escutar de novo seu Evangelho, colocá-lo em nosso coração e compartilhá-lo com humildade, gratidão e alegria, à moda dos Apóstolos no momento do primeiro Pentecostés» (cf. L'Osservatore Romano 19/11/97, pág. 12, n° 30).
O primeiro é que os cristãos sentam, pensem e vivam como cristãos. A Igreja, pastoralmente, precisa recuperar a capacidade de evangelizar à luz de dois formosos e profundos documentos: a Evangelii Nuntiandi de Paulo VI e a Redemptoris Missio de João Paulo II. O cristão atual —para expressá-lo com uma generalização— deve aprender a ser cristão. «Porque é Deus —dirá são Paulo— quem, segundo o seu beneplácito, realiza em vós o querer e o executar. Fazei todas as coisas sem murmurações nem críticas, a fim de serdes irrepreensíveis e inocentes, filhos de Deus íntegros no meio de uma sociedade depravada e maliciosa, onde brilhais como luzeiros no mundo, a ostentar a Palavra da vida» (Fil 2,14-16a).
6. Ou segundo passo é redescobrir ou valor comunitário da fé. Se o leigo se comunitariza, a sociedade se evangeliza. O maior problema e ameaça para a fé, não é a força do neopaganismo ambiental; é a debilidade de espírito que manifesta o crente convencional, incapaz de ser testemunha e anunciador do Reino de Deus.
Desde esta imagem comunitária da Igreja, o mundo pode encontrar o que inconscientemente procuram os homens de boa vontade através de múltiplas sementes soltas do Reino: uma civilização conforme ao Plano de Deus que lhe devolva ao homem sua dignidade de ser livre. Assim poderá amar ao semelhante e procurar a plenitude eterna desta vida histórica.
Isto é entender a vocação do laicado não só desde a perspectiva política apoiante senão também, religiosamente, desde sua vocação civilizadora globalmente considerada. E neste sentido, é um chamado a que o cristão se organize comunitariamente e se ocupe das realidades temporárias desde sua vocação evangélica de discípulo de Cristo. Assim poderá aspirar-se a céus e terras novas numa civilização digna do homem como filho de Deus.
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[1] Cf. Baudrillard, Jean, "El espectáculo de la corrupción nos complace a todos", Clarín 19/10/97, p. 20. Entrevista de Jorge Halperín. [2] Cf. Roffo, Analía, "Todos somos víctimas de este horror económico", Clarín 13/7/97, p. 21. [3] Cf. Fitoussi, Jean-Paul, "El mercado no garantiza la supervivencia de todos", Clarín 22/7/98, p. 27. [4] Cf. "Explotación infantil a fin de siglo", Editorial Clarín, 5/11/97, p. 18. © O Movimento da Palavra de Deus, uma comunidade pastoral e discipular católica. Este documento foi inicialmente publicado por sua Editora da Palavra de Deus e pode reproduzir-se a condição de mencionar sua procedência. |