«Deve-se dizer
muito claramente
que os movimentos apostólicos aparecem
com formas
sempre novas
ao longo da história e isto necessariamente, porque são
a resposta
do Espírito Santo
às situações
sempre mutantes em que vive
a Igreja«

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Os movimentos eclesiais e sua colocação teológica

II. Perspectiva histórica: sucessão apostólica e movimentos apostólicos

3. A amplitude do conceito de sucessão apostólica


Depois deste repasso dos grandes movimentos apostólicos na história da Igreja, voltamos à tese que antecipei depois de nossa breve análise dos dados bíblicos: a saber, que o conceito de sucessão apostólica deve ser ampliado e aprofundado se queremos fazer justiça a tudo o que significa e exige. Que implica isso? Primeiro, significa que a estrutura sacramental da Igreja se deve conservar como a base deste conceito. Nesta estrutura a Igreja recebe, sempre renovada, a herança dos Apóstolos o legado de Cristo. É mediante o sacramento, no qual Cristo atua pelo Espírito Santo, que a Igreja se distingue do resto das instituições O sacramento significa que a Igreja vive e é continuamente recreada pelo Senhor como «creatura do Espírito Santo».

Aqui devem ter-se presentes os dois componentes inseparáveis do sacramento que mencionamos antes: primeiro, o componente encarnacional-cristológico, isto é, a Igreja vinculada ao acontecimento único e irrepetível da Encarnação e dos acontecimentos de Páscoa, o vínculo com a ação de Deus em história; em segundo lugar, e simultaneamente, o fazer-se presente deste acontecimento no poder do Espírito Santo, isto é, o componente cristológico-pneumatológico, que garante ao mesmo tempo a novidade e a continuidade da Igreja viva.

O que sempre se ensinou na Igreja sobre a essência da sucessão apostólica, a base verdadeira do conceito sacramental da Igreja, resume-se desta maneira. Mas este núcleo arrisca o ser empobrecido, de fato atrofiado, se o conceito se aplica somente à estrutura da Igreja local. O ministério da sucessão de Pedro permite superar a estrutura eclesial puramente local. O sucessor de Pedro não só é o bispo local de Roma ele é bispo de toda a Igreja e em toda a Igreja. Encarna por isso uma dimensão essencial da missão apostólica, que nunca deve estar ausente da Igreja.

Mas o mesmo ministério petrino seria a sua vez mal-entendido, e distorcido numa exceção monstruosa à regra, se carregássemos somente a seu portador com a realização da dimensão universal da sucessão apostólica [21].

Na Igreja devem existir sempre ministérios e missões que não se atam somente à Igreja local, senão que servem à missão universal e à propagação do Evangelho. O Papa deve confiar nestes ministérios, e eles nele; e na interação harmoniosa entre os dois tipos de missão se realiza a sinfonia da vida eclesial.

A idade apostólica, que tem valor normativo para a Igreja, acentuou claramente estes dois componentes como indispensáveis para a vida da Igreja. O sacramento do Ordem, o sacramento da sucessão, necessariamente faz parte intrínseca desta forma estrutural, mas —ainda mais do que nas Igrejas locais— está rodeado por uma multiplicidade de serviços e aqui é impossível ignorar a contribuição feita pela mulher ao apostolado da Igreja. Resumindo, poderíamos inclusive afirmar que o primado do sucessor de Pedro existe precisamente para garantir estes componentes essenciais da vida da Igreja e para conectá-los harmoniosamente com as estruturas das Igrejas locais.

A este ponto, para evitar mal-entendidos, deve-se dizer muito claramente que os movimentos apostólicos aparecem com formas sempre novas ao longo da história e isto necessariamente, porque são a resposta do Espírito Santo às situações sempre mutantes em que vive a Igreja. E bem como as vocações ao sacerdocio não podem ser produzidas artificialmente, não podem ser estabelecidas administrativamente, ainda menos os movimentos podem ser estabelecidos e promovidos sistematicamente pela autoridade eclesiástica. Precisam ser dados como presente, e são dados como presente. Somente devemos estar atenciosos a eles. Usando o dom de discernimento, somente devemos aprender a aceitar o bom neles, e a descartar o mau.

Uma mirada retrospectiva à história da Igreja nos ajudará a reconhecer com gratidão que, apesar de todas as provas e tribulaciones, a Igreja sempre teve sucesso em encontrar espaço para todos os grandes novos acordares espirituais que emergem em seu seio. No entanto não podemos passar por alto a série de movimentos que fracassaram ou que conduziram a dolorosos cismas: montanistas, cátaros, valdenses, husitas, o movimento de Reforma do século XVI. E sem dúvida ambas partes se devem repartir a culpa pelo fato de que em definitiva o cisma se manteve.


NOTAS

[21] A aversão ao primado e o desaparecimento do sentido da Igreja universal estão sem dúvida vinculadas com a idéia de que o conceito de Igreja universal está corporizado somente pelo papado. O papado, assim isolado e sem conexão vital com as realidades da Igreja universal, aparece então como um escandaloso monolito que perturba a imagem de uma Igreja reduzida a ministérios eclesiais puramente locais e à coexistência de comunidades locais. Mas dessa forma não se capta a realidade da Igreja primitiva.

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